(2011) Código Florestal Brasileiro em Perigo: Entenda a Questão

O que está em jogo -
  A primeira versão do Código Florestal brasileiro foi aprovada em 1934 (Decreto No. 23.793/1934). O Decreto foi pensado por naturalistas e pessoas que, mesmo naquela época, tinham ampla visão da importância das florestas. O Código surgiu com o intuito de racionalizar o rápido processo de derrubada das florestas nativas, para garantir reservas de lenha, como é alegado, mas também para preservar as fontes de água, o regime de chuvas e evitar a ocupação de áreas de risco.
  Mesmo com a atualização em 1965 (Lei No. 4.771/1965), o Decreto ainda tem sua concepção inalterada, embora vários de seus instrumentos tenham sido aprimorados. Desde a década de 1930 (governo do ex- presidente Getúlio Vargas (1882-1954)), já havia a obrigação de se preservar as beiras de rio, os topos de morro, as encostas íngremes e de manter uma parcela da vegetação nativa existente no imóvel (que era de 25% na época), excluídas as áreas de domínio público, que tinham regras diferentes. Com o aprimoramento da legislação, as áreas a serem protegidas nas propriedades passaram a se chamar: APP - Áreas de Preservação Permanente, e RL - Reserva Legal.
  Apesar de antiga, ela não é velha. Também não é uma Lei equivocada em seus princípios, como vem sendo difundido por determinados setores da sociedade. Independente das razões determinantes que guiaram os políticos da década de 1930 a aprová-la, a Ciência já demonstrou que a manutenção de parcelas de vegetação natural na paisagem rural é fundamental, e mesmo urbana, para garantir a conservação da biodiversidade e a continuidade na oferta de serviços ambientais básicos, como a ciclagem da água, a ciclagem de nutrientes, a ciclagem do carbono, a contenção de ventos, a existência de polinizadores, o controle de pragas, dentre outros.
  Além disso, é o Código Florestal brasileiro a única lei nacional que veta a ocupação urbana ou agrícola de áreas de risco, como é o caso de encostas íngremes, áreas alagadiças ou sob a influência de dunas. Tragédias como as recentemente ocorridas no Vale do Itajaí (SC) e Rio de Janeiro (RJ) em 2011, com mortos e prejuízos decorrentes de deslizamentos e enchentes, poderiam ser evitadas se a Lei fosse cumprida. E se ela deixar de existir, os problemas seguramente se multiplicarão.

Os ruralistas contra a Lei -
  Apesar de ser uma lei importante para a sociedade, há uma imensa pressão de parte do setor agropecuário por sua modificação. A razão da insatisfação é que, após muitas décadas de esquecimento, ela começou a ser aplicada. O pressuposto de que a conservação de florestas é algo que interessa à sociedade, expresso logo no primeiro artigo do Decreto de 1934, é atualizadíssimo. Mas então, qual o problema? Por que tanta pressão para modificá-la?
  Não há mais como fingir que ela não existe, pois não só os órgãos de fiscalização estão mais eficientes, como o próprio mercado (os consumidores) está começando a exigir que a produção agropecuária cumpra uma lei que é de interesse de toda a sociedade.
  Com a edição em 2008, de um conjunto de medidas voltadas à implementação da Lei, algumas lideranças do campo, capitaneadas pela CNA - Confederação Nacional da Agricultura, e com o apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (pasta loteada para a ala "ruralista" do PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro), passaram a pressionar por sua revogação. Mas eles não jogam às claras e não falam nesses termos. Alegam que a Lei é ultrapassada, que não tem base científica, que é impossível de ser aplicada e que atrapalha o desenvolvimento do país.
Algumas de suas propostas são:
- Ampla anistia a ocupações ilegais, inclusive em áreas de risco.
- A compensação de RL a milhares de quilômetros da área onde originalmente deveria estar.
- O fim de qualquer tipo de proteção a encostas e topos de morro.
- A possibilidade dos Estados diminuírem (jamais aumentarem) a proteção às matas ciliares.
- O aumento do desmatamento permitido na Amazônia, dentre outras propostas que, por se basearem em interesses setoriais imediatistas, vão na contramão da história e atentam contra os interesses de toda a sociedade, inclusive dos produtores rurais.
  Em 2009, a Câmara dos Deputados criou uma comissão para analisar propostas de modificação no Código Florestal brasileiro. Tendo uma maioria de deputados ruralistas, ela analisa projetos que pretendem modificar não só o Código Florestal brasileiro, mas vários dos principais instrumentos da política ambiental brasileira, dificultando a criação de novas áreas protegidas e criando a figura do "licenciamento ambiental automático" para obras de significativo impacto ambiental.
  Após a realização de algumas audiências públicas pelo país, em sua grande maioria organizada por sindicatos ou organizações alinhadas à CNA, a comissão pode votar uma proposta antes do recesso legislativo de 2010. Pela parcialidade das audiências (análise da organização ambiental Greenpeace-Brasil, sobre as audiências), pelos posicionamentos públicos do relator Deputado Aldo Rebelo (PcdoB/SP - Partido Comunista do Brasil/SP), e pela composição da Comissão, há um ameaça real de que possa vir a ser aprovado um projeto que retroceda em muitas décadas os padrões de proteção às florestas brasileiras.

Qual o problema com o Código Florestal brasileiro? -
  Está claro, no entanto, que não basta apenas a aplicação de multas e um aprimoramento na fiscalizaçãopara que grande parte dos produtores rurais regularize sua situação. Isso é necessário, mas não o suficiente. Por isso várias organizações preocupadas com o problema vêm trabalhando pela implementação de incentivos à aplicação da Lei. É fundamental que as políticas de apoio à atividade agropecuária passem a incentivar a implementação do Código Florestal brasileiro, não só oferecendo crédito para a recuperação, mas sobretudo premiando, de diversas formas, aqueles que cumprem rigorosamente a legislação.
  Com políticas de apoio, seria muito mais simples aplicar a Lei. Mas é importante também capacitar os órgãos ambientais e agrícolas para que saibam orientar o proprietário rural para como cumpri-la bem. Hoje há uma série de atividades que já são permitidas pela legislação mas que poucos sabem e muitas outras questões podem e devem ser resolvidas por boas regulamentações da Lei, não necessariamente por outra lei.

Aperfeiçoar, sempre -
  Isso não quer dizer que a Lei não possa ser aperfeiçoada. Pode. Diversas propostas já foram apresentadas, inclusive por organizações ambientalistas. Criar metas de conservação por bacias hidrográficas, por exemplo, é uma delas. Um bom planejamento da paisagem poderia indicar áreas onde é melhor preservar ou recuperar florestas, usando inclusive mecanismos de compensação, do que manter uma agropecuária de baixa produtividade. Num contexto de aprimorar a Lei para melhor aplicá-la, inclusive algumas flexibilizações seriam aceitáveis. Mas não é isso que as propostas de alteração feitas pelos ruralistas e que serão votadas na Comissão Especial querem, e seus membros sequer se dispuseram a ouvir essas propostas. Objetivam apenas anistiar os usos irregulares. E ponto.

Modernizar sim, retroceder jamais -
  Diante da iminência da aprovação de propostas retrógradas e corporativas pelo Congresso Nacional, é fundamental que a sociedade civil se mobilize contra.



Vídeo: S.O.S. Florestas: O Código Florestal em Perigo.


Fonte: S.O.S. Florestas: O Código Florestal em Perigo.